Brincando com Fogo e Artilharia 29/12/2010

Foto por George Guimarães


Hoje recebi o treinamento de combate a incêndio, pois estou na equipe que dá suporte à equipe de “ataque” a incêndios, essa formada pelos tripulantes mais experientes. Incêndios em navios não são incomuns e podem acontecer nas mais diversas áreas da embarcação.

Hoje o clima mudou drasticamente e o dia de trabalho terminou mais cedo devido às condições climáticas que dificultam o trabalho no deck. O vento nas laterais do deck é tão forte em alguns momentos que é preciso colocar grande força para poder se mover. Já quando se caminha a favor do vento, a força é para que ele não te leve (ou simplesmente se deixar levar, cuidando apenas para que ele não te derrube. O mar está bastante agitado, talvez mais agitado que no primeiro dia, mas o movimento é mais favoráveis, pois não estamos sendo jogados para os lados. Já no movimento para frente e para trás (ou para cima e para baixo), a força é grande. Acredito que nas extremidades traseira e dianteira a altura deve estar oscilando em cerca de 8 metros. É como se houvesse uma elevação e uma queda de 8 metros a cada 3 segundos. Como a minha cabine fica pr óxima à parte dianteira do navio, meu corpo é erguido do colchão a cada momento. Em pé no deck, os pés perdem o chão com alguma frequência, o que pode se divertido (para pular, basta ficar parado e o chão some debaixo dos pés). Só não é mais divertido porque na maio parte do tempo estamos carregando materiais pesados e nos movimentando contra o vento que vem de frente, a chuva que vem de cima e a água salgada (e gelada a 5 graus Celsius negativos) que vem de baixo. Tudo ao mesmo tempo!

Foto por Eric Cheng
Foto por George Guimarães


Outra parte do dia foi organizar a artilharia: (CENSORED)

Foto por George Guimarães
Ontem testamos o canhão d’água e ele funcionou perfeitamente. Por falar em canhão d’água, estou só imaginando como será a condição no deck quando estivermos desempenhando essas tarefas com o agravante de estarmos sendo atingidos com os canhões d’água da frota japonesa, que além de forte vem na temperatura com que é bombeada do oceano, ou seja, cerca de 5 graus Celsius negativos. Com quer que seja a experiência, estamos todos nos preparando para que ela tenha início logo, pois quanto antes encontrarmos e intervimos na frota japonesa, menos baleias serão mortas. A tarefa no deck agora é manter tudo preparado enquanto a Ponte de Comando continua a busca em plena navegação.

Preparativos 28/12/2010



Foto por George Guimarães


Já passamos por climas diferentes (sol, névoa, chuva, garoa, frio...) e já participei de tarefas diversas no deck. O lançamento do barco Delta é provavelmente a tarefa mais perigos que realizamos a bordo. Há dois anos, o barco virou durante o lançamento e os quatro tripulantes do Delta foram lançados na água gelada com o navio em movimento, uma situação de alto risco. O lançamento sempre é feito com o navio em movimento e por isso é tão delicada. Cerca de 10 pessoas são necessárias para colocar o barco Delta na água usando um guindaste (o barco pesa 1,5 tonelada), cordas e uma técnica que foi aperfeiçoada ao longo dos anos. O tempo médio para lançamento é de 15 minutos, sendo 10 minutos o tempo recorde. Entre as tantas tarefas que realizadas pelo Delta está a de resgate no caso de alguém cair na água.

Se uma pessoa  cai  na água na   Antártida   sem  a roupa  adequada   (chamada Mustang Suit) o tempo estimado de sobrevivência é de dois minutos. Ao menos o barco chega a tempo para resgatar o corpo... Se a pessoa estiver vestindo a Mustang Suit, o tempo de sobrevivência é aumentado, mas até esse momento é apenas a tripulação que está a bordo do barco Delta que veste a roupa. Eu a vesti em raras ocasiões onde o trabalho no deck estava impossibilitado devido ao frio e vento que superavam a capacidade de proteção das roupas de frio que eu usava. Conforme continuamos a descer mais ao Sul, e especialmente no período em que estivermos em confronto com a frota baleeira, passaremos a usar as Mustang Suits durante a maior parte do tempo.

Foto por George Guimarães

Enquanto eu escrevo esse relatório no início da noite do dia 28 de dezembro (ainda madrugada no início do mesmo dia no Brasil), fomos chamados ao deck para (CENSORED) que, por motivo de segurança, só poderei descrever mais adiante. Para dizer a verdade, eu nem saberia como descrevê-lo nesse momento (CENSORED).

Assim que encontrarmos a frota baleeira, a nossa localização será conhecida e poderei comentar sobre os acontecimentos anteriores. Por hora, fica o suspense sobre (CENSORED) que a natureza tem nos ofertado durante essa expedição.


O dia de trabalho começa às 8 da manhã com uma reunião e encerra entre 5 e 7 da tarde. Como o trabalho no deck é trabalho de peão, fazemos vários intervalos para refeições. São cinco refeições no dia e há pães, doces (tudo vegano, é claro) café e chá disponíveis o tempo todo, já que os turno da Ponte de Comando e da Engenharia são de 24 horas. Com o trabalho pesado, estou comendo muito! Comi tanto hoje no almoço e nos intervalos que sequer consegui jantar.

Ontem, sob chuva, frio e vento, instalamos o sistema de defesa nas bordas do navio, impedindo que o navio seja embarcado por tripulantes que não foram convidados a estarem a bordo. O boato é que a frota japonesa teria a guarda costeira japonesa a bordo dos seus navios e uma tentativa de tomada do navio seguida da prisão da tripulação é uma possibilidade.

Natal 25/12/2010


O primeiro dia de trabalho terminou com um jantar para celebrar a véspera de Natal. Mas antes disso, passei toda a tarde deitado por ter batido a cabeça com força em um ferro na oficina do deck. Por isso, fiquei em repouso, já que não conseguia saber se estava tonto por causa da pancada ou por causa de um resto de náusea. Ganhei um galo na cabeça, mas estou bem. No dia seguinte, tivemos um amigo secreto, onde a maioria das pessoas confeccionou seus próprios presentes usando ferramentas e entulhos, mas muitos pareciam ‘ter se prevenido trazendo presentes de casa. Eu ganhei um livro e um CD. O Paul vestiu um gorro de Papai Noel em versão preto e branca e entregou os presentes conforme os nomes eram chamados (risos).
Foto por George Guimarães

Certeza 24/12/2010


Resumindo a saga até esse momento: depois de ter tido apenas 36 horas para os preparativos, seguidas de 36 horas cheias de ansiedade entre aeroportos, embarquei diretamente em outras 36 horas, dessa vez cheias de náuseas. Enfim, fui batizado na melhor (ou pior) das situações. Acredito agora estar pronto para a campanha, mas só poderei confirmar isso quando encontrarmos a próxima turbulência. A previsão é que ainda haja alguns bons trechos turbulentos conforme continuamos a descender com a proa voltada ao Pólo Sul!

Uma coisa que considero importante dizer sobre toda essa experiência inicial com a navegação em mares inóspitos é que não há medo. Há apenas desconforto. Com o corpo sentindo os efeitos, há momentos em que vem o pensamento sobre “que raios estou fazendo aqui”, mas em seguida a pergunta é respondida e qualquer dúvida é dissolvida.

Há 7 bilhões de pessoas no mundo e dentre todas elas, apenas 90 pessoas (somando a tripulação de toda a frota da Sea Shepherd: Steve Irwin, Bob Barker e Gojira) estão in loco dispostas a fazer algo efetivo para pôr fim ao assassinato dessas baleias que passam pela Antártida durante o verão, quando são mortas pelos mais fúteis dos motivos: a ganância de quem lhes tira a vida e o paladar de quem consome a sua carne.

Como não poderia deixar de ser, há algo mágico em compartilhar um navio com outras 40 pessoas que escolheram estar a bordo pelo mesmo motivo. Na verdade, em toda a frota, são 88 pessoas vindas de 22 países. As nacionalidades são diversas, mas falamos a mesma língua. Viemos de culturas diferentes, mas estamos todos aqui porque pudemos enxergar o mesmo problema independentemente do nosso filtro cultural. Naturalmente, os tipos são os mais variados, mas há algo em comum entre o comprometimento e a loucura de cada um de nós. Há em cada um daqueles com quem estou compartilhando essa campanha a mesma incontestável certeza sobre a necessidade e a importância de estarmos aqui. Também compartilhamos da mesma ansiedade, que é a de avistar o quanto antes a frota baleeira japonesa despontar no horizonte para colocarmos em prática aquilo para o que nos preparamos.
Foto por Eric Cheng

Batizado de Fogo 24/12/2010


Embarquei no navio momentos antes da partida, com tempo apenas para ser apresentado à minha tarefa e para o jantar, o que foi bastante oportuno, pois a minha alimentação durante a viagem havia se limitado a duas bananas e um pacote de granola. A comida da Laura, cozinheira chefe do Steve Irwin, estava tão deliciosa quanto da última vez que a experimentei em abril desse ano. O Capitão Paul Watson se aproxima da área onde estou jantando na companhia dos outros quatro tripulantes brasileiros (Gunter, Primeiro Oficial; Luis, Segundo Oficial; Roberta, assistente na Ponte de Comando e no Deck e; Bárbara, fotógrafa oficial da campanha) e, referindo-se ao número recorde de brasileiros a bordo, diz: “Fucking Brazilian Mafia está planejando tomar o meu navio, vou instalar escutas por todos os lados para descobrir o que eles estão planejando” (risos). Antes disso, eu já o havia cumprimentado próximo à sua cabine, onde lhe disse que será um prazer servir ao seu lado. Em resposta, ele notou que estávamos prestes a zarpar, como quem diz que por pouco ele não poderia ter esperado mais.
Depois de ter sido notificado sobre o meu posto e termos jantado, partimos rumo à Antártida! A navegação no momento da partida estava tão tranquila que eu praticamente não percebi o momento da partida, uma vez que estava sendo apresentado às tarefas no deck, enrolando as cordas que nos prendiam ao porto, corre para lá, corre para cá... Quando olhei para além da borda do navio, o porto já devia estar a uns 500 metros de distância. Foi somente então que me dei conta que já havíamos partido. Era o início da campanha para mim.

Quem dera a navegação tivesse continuado tão tranquila ao ponto de não ser percebida! Na medida em que o navio ganhava velocidade e deixava as águas calmas do porto, em 20 minutos eu já sentia os efeitos da navegação oceânica. Pedi para deixar o deck, pois não estava conseguindo fazer o trabalhar. Desci um lance de escadas em direção ao quarto, o que me deixou ainda mais nauseado. Volto ao deck para olhar para o horizonte. Melhoro um pouco por um tempo, mas o navio já jogava tanto que eu (e todos outros que lá estavam) precisavam se agarrar a alguma estrutura para poderem se manter no lugar. Tracei mentalmente a rota até o banheiro mais próximo, calculando o tempo que levaria para chegar lá nessas condições, já que o vento estava forte e querer me desfazer do jantar diretamente pelo deck poderia ser desastroso. Deve ter levado uns 10 minutos entre o momento em que tracei a rota e o momento em que a coloquei em prática. Havia 18 anos que eu não vomitava, quando eu peguei uma intoxicação alimentar na Índia em 1992. Desde aquela ocasião, mesmo quando estou ruim do estômago, não consigo vomitar, por mais que eu queira. Nas horas seguintes, vomitei tudo o que não vomitei nos últimos 18 anos. Vomitei o que estava no estômago e também o que não estava. Vomitei o jantar, o chá de gengibre que deveria ser tiro e queda para enjoos, a água, vomitei até mesmo o vazio. O navio balançava muito! Em um dado momento perguntei à minha colega de quarto, uma belga com experiência em navios, se aquela era uma turbulência normal ou extraordinária. Para a minha felicidade, ela disse que era fora do esperado. Foram 36 horas divididas entre a cama e o banheiro, sempre longe da cozinha.


Foto por George Guimarães


Deveremos pegar mais turbulência dessa dimensão mais ao Sul, sendo que depois em uma latitude mais abaixo o oceano tende a acalmar. Mas nesse trecho navegado nas primeiras 36 horas, havíamos nos deparado com uma turbulência inesperada. Outros tripulantes mais experientes também passavam mal, mas ninguém tanto quanto eu naquele momento. Em uma das visitas ao banheiro, em um momento que não sei dizer se era dia ou noite, início ou fim desse período nauseoso, uma tripulante francesa ocupava o vaso sanitário enquanto eu ocupava a pia (foi uma dessas vezes que eu estava vomitando o vazio, só para não perder o hábito, então a pia era suficiente para a tarefa). A melhor parte disso tudo é que o trabalho de limpeza dos banheiros fica ao cargo dos Deckhand... Com esse detalhe, encerro a sessão nauseante desse relatório, ciente de que apesar de eu estar comentado sobre isso com naturalidade nesse momento, certamente não há naturalidade para a maioria que está lendo esse texto. Eu mesmo provavelmente ficarei nauseado quando ler isso daqui a alguns meses.

Tudo balança e é certo que a estrutura do navio é submetida a torções cada vez que o oceano o joga para os lados. A cada movimento, tudo range. Balançam as roupas que estão penduradas, balançam as pessoas que andam pelos corredores e pelo deck. Na turbulência atual, o navio balança de maneira irregular, não cíclica, o que torna imprevisível para qual lado tenderá a próxima força. Há vezes em que o movimento se estende ao dobro na mesma direção, há vezes em que ele muda subitamente. É difícil o que é melhor: deixar o corpo acompanhar o movimento ou criar resistência a eles. Para se ter uma ideia, nessa situação de turbulência grande, a força necessária para equilibrar o peso ao se manter em pé, jogando-o de uma perna para outra, equivale a cerca de cinco vezes a força necessária no momento da descida em uma onda numa prancha de surf, só que de maneira contínua! É como surfar o Atlântico Sul em uma enorme prancha! Outra comparação inevitável é com uma montanha-russa. É como se a cada cinco segundos viesse uma nova curva ou descida súbita, depois outra, e depois outra, e para essa sensação não é preciso estar em pé, ou seja, é inevitável mesmo estando deitado. Para abrir a porta é preciso calcular o momento em que o navio balançará para o lado que favorece o movimento de abertura. Idem para fechar. Alguns segundos de espera e depois o movimento no momento certo. Para subir ou descer da cama é um pouco mais complicado, pois o espaço entre o colchão e o teto no beliche é da altura da minha coxa (se dobrar a perna, o joelho bate no teto). Daí não apenas é necessário calcular o momento certo de dar o impulso para cima ou para baixo, esperando que esse momento coincida com o movimento para a direita ou para a esquerda, como também é preciso fazer o movimento como se fosse um mergulho, pois não dá para ir realmente para cima, como as pancadas que já levei na cabeça podem testemunhar. Tenho certeza que sem as náuseas ou sem estar correndo para o banheiro poderei fazer isso com uma perna, com os olhos fechados ou com as mãos amarradas. Se tivesse um carro dentro do quarto, conseguiria fazer tudo isso inclusive enquanto dirijo! Mas por hora está naquele ponto onde é tão complicado quanto é divertido.

Foto por George Guimarães

No único momento em que pisei fora do quarto no qual a intenção não era chegar ao banheiro, (CENSORED). No exato momento em que coloquei o pé para fora, (CENSORED). Subi um lance de escadas que leva à parte traseira do navio. Durante todas as horas em que eu estava sendo jogado para lá e para cá dentro do quarto, eu não havia tido a oportunidade de ver qual era exatamente a força que me jogava. Eu havia saído do quarto em busca de algum alívio, mas o que se mostrava era o pior cenário até aquele momento. (CENSORED) As ondas batiam na altura do deck e, (CENSORED). A primeira constatação foi que alguns dos tanques, que carregam 200 litros de combustível cada, haviam se movimentado com os impactos. Há dezenas desses tanques que armazenam combustível para o helicóptero e para os barcos espalhados pelo deck. Como seria impossível trabalhar no deck naquela circunstância, a equipe do deck decidiu deixá-los como estavam Nesse momento, eu me considerava excluído da equipe, já que novamente tratava de traçar mentalmente a rota até o banheiro mais próximo.

Foto por George Guimarães


No dia seguinte, fiquei sabendo que as ondas haviam chegado a sete metros de altura, mas a altura delas não foi o que causou o maior efeito, mas sim a direção na qual elas nos atingiam. O navio pode balançar de duas maneiras: “Pitching”, que é quando ele balança para frente e para trás (empinando e embicando num movimento contínuo), ou “Rolling", que é quando ele balança para os lados (acompanhado ainda do movimento anterior, como se desenhasse um círculo). É essa última situação que causa os efeitos mais severos no organismo. Rolling foi justamente o movimento que experimentamos nas primeiras 36 horas de navegação, uma situação nauseante mesmo para os mais experientes.

Passadas 36 horas a bordo, minha colega de quarto veio me acordar para assistir ao nascer do Sol da Ponte de Comando (era o plantão dela e a Ponte de Comando estava tranquila). O Sol nascendo às 4 horas da manhã, o oceano calmo e a vista extasiante de uma região raramente visitada anunciavam o início de uma nova fase nessa jornada. Em seguida, tivemos um dia cheio de surpresas, as quais por motivos de segurança não podem ser relatadas por hora (pois poderiam levar a frota baleeira a deduzir a nossa localização), mas que serão comentadas quando for apropriado. O que posso dizer é que as náuseas terminaram e com isso pude trabalhar o dia todo em tarefas diversas. Os acontecimentos do dia somente fizeram reafirmar a minha certeza sobre a força que essa campanha terá para pôr fim à atividade de caça a baleias na Antártida!

Foto por George Guimarães

A Bordo 22/12/2010


Após 36 horas de voo, fui diretamente ao porto de Bluff em Invercargill (extremo Sul da Nova Zelândia) onde embarquei no M/Y Steve Irwin e toda a correria dos últimos dias, os preparativos de última hora, o longo voo acompanhado da incerteza sobre a chegada, o que ainda precisava ser organizado e o que deixou de ser organizado antes de poder desconectar do mundo por algumas semanas, toda a ansiedade relacionada a essas tarefas começa a se desfazer. Partimos rumo à Antártida em apenas duas horas após o meu embarque.

Logo fui notificado sobre a minha a tarefa a bordo, que será relacionada à equipe do deck, mais especificamente um Deckhand, que é o cargo mais baixo que alguém pode ter a bordo (risos), algo comparável a “serviços gerais”. A hierarquia a bordo segue essa estrutura: O Capitão está no topo, seguido pelo Primeiro Oficial e o Engenheiro Chefe. Enquanto o último supervisiona a equipe de engenheiros, o primeiro supervisiona todos os demais setores. São eles: Ponte de Comando (Bridge), Cozinha (Galley), e Deck, cada qual com uma hierarquia específica. Na hierarquia do deck, há o Bosun, os Bosun Mate e os Deckhand (ou seja, lá embaixo na cadeia hierárquica).

Para cada um dos setores há algumas habilidades que são necessárias: navegadores, cozinheiros, engenheiros. Aqueles que não têm uma habilidade que seria útil no navio, esses vão trabalhar no deck. Também é a tripulação do deck que se coloca nas situações de maior risco. Além do risco iminente em estar trabalhando na área aberta de um navio manipulando cordas, graxa, combustível, operando o lançamento e retirada de outros barcos no mar agitado e com o navio em pleno movimento, tudo isso a dez dias de navegação do ponto civilizatório mais próximo, há ainda os riscos específicos das atividades inerentes à campanha em si. É a tripulação do deck que é enviada nas missões de enfrentamento nos barcos pequenos, sofrendo retaliações que vão desde o lançamento de objetos pesados até os poderosos canhões que lançam água salgada em uma temperatura abaixo de zero grau Celsius com uma força incrível capaz de arremessar uma pessoa ao chão. Em resumo, enquanto os tripulantes de outros setores se destacam com alguma habilidade especial, os tripulantes do deck se destacam por não terem a cabeça no lugar.

Ainda estou resistindo em querer entender por que me colocaram na equipe do deck. Se alguém tiver alguma dica, ficarei feliz em lê-la. Ah, e por falar em loucos, a vaga que eu ocupo agora foi aberta (CENSORED) apesar do risco (e do histórico) de acidentes nessa missão. Temos duas pessoas com formação de paramédico (que trabalham no deck com as mãos cheias de graxa). Portanto, não há com o que se preocupar...

Eu já estava familiarizado com o trabalho do deck, pois foi parte do que fiz na experiência que tive a bordo do Steve Irwin em abril desse ano. Como eu não tenho treinamento para trabalhar como oficial na Ponte de Comando, não sou engenheiro e não ousaria fazer com que os 41 tripulantes fossem submetidos a degustar uma refeição preparada por mim, eu não esperava outro posto que não o de Deckhand. Acredito que poderia aprender as tarefas de um cargo baixo na Ponte de Comando (há tarefas como a de fazer vigília durante a noite, tomar notas referentes à rota, operar os equipamentos de comunicação, etc), mas a tripulação já conta com pessoas qualificadas para essas tarefas.

Foto por George Guimarães

As tarefas da tripulação do deck são as tarefas cotidianas do deck, como manutenção das áreas internas e externas do navio (limpeza do deck, dos corredores internos, dos banheiros e de todas as áreas comuns), puxar cordas, enrolar cordas, amarrar cordas, lançar âncora, erguer âncora, carregar, consertar, carpintaria, serralheria, retirada e armazenamento de resíduos, lançamento e pilotagem dos barcos pequenos (que são lançados em momentos específicos da campanha, usados para (CENSORED) contra a frota baleeira e outras intervenções que tencionam sabotar a atividade de caça ou ainda para a transferência de tripulantes entre as embarcações), colocação e retirada das grades que impedem que o navio seja embarcado pela tripulação oponente, supervisão dos tanques de combustível que ficam armazenados ao longo do deck, entre outras tarefas. Tudo isso, vale lembrar, em condições extremas de clima e temperatura, coisa com o que não tenho experiência, mas que não será um impedimento para a realização das tarefas.

Mas a melhor parte do trabalho dos Deckhand é que nós somos a linha de frente no momento do embate com a frota baleeira. Somos nós que operamos o canhão d’água, (CENSORED), que lançamos as cordas para agarrar a hélice das embarcações adversárias, entre outras peças de artilharia usadas na ofensiva. A tripulação do deck tem o trabalho mais duro durante a maior parte do tempo (a manutenção do navio durante a jornada), mas é a tripulação do deck que tem o trabalho mais gratificante, que é o de colocar a frota baleeira para correr ou desabilitá-la por completo para que não possam continuar com a sua atividade assassina.


Chegando 22/12/2010



A frota da Sea Shepherd saiu em direção à Antártida no início do mês e com isso a esperança que restava era ser chamado para segunda etapa da viagem, quando os navios retornam para reabastecer e geralmente há troca de alguns membros da tripulação. No entanto, houve um problema com o helicóptero e o navio teve que retornar para realizar o conserto do equipamento.

No dia 18 de dezembro, sábado, enquanto eu levava o VEDDAS-MÓVEL ao VEGETHUS de onde ele seria levado pelos voluntários para o trabalho na Avenida Paulista, recebi um telefonema de um tripulante do Steve Irwin! O convite trazia uma condição: eu deveria chegar ao Sul da Nova Zelândia na quarta-feira, o que na verdade ainda seria terça-feira no Brasil. Ou seja, eu teria 36 horas para encontrar uma passagem aérea, organizar as 3 empresas e comprar roupas de inverno e outras 36 horas para atravessar o Oceano Pacífico! O voo sairia na segunda-feira na hora do almoço e eu teria, portanto, apenas o domingo para organizar a minha ausência por cerca de 40 dias. Esse cenário não era nada favorável para aceitar o convite, mas a oportunidade era tão única e esperada quanto era delicada. Por isso, aceitei. Consultei os meus filhos sobre o cancelamento dos nossos planos de férias, com o que eles concordaram, demonstrando total apoio à minha participação na campanha e naquela mesma noite, aproveitando a reunião com os voluntários do VEDDAS no evento que acontecia no VEGETHUS, anunciei que partiria em poucas horas para participar da campanha.

24 horas depois, com a passagem aérea e as roupas de frio compradas, me esforçando para me convencer de que tudo estava relativamente organizado para a minha ausência, recebi outro telefonema que dizia que eu deveria estar no porto até as 10 da manhã, o que era impossível, pois o voo só chegaria às 5 da tarde, não havendo qualquer alternativa, já que a rota escolhida já era a mais eficiente possível. Não recebi qualquer garantia de que a partida do navio poderia ser atrasada e eu deveria escolher viajar sob o risco de chegar à Nova Zelândia para descobrir que o navio já havia partido. Como as partidas dos navios frequentemente sofrem adiamentos, decidi arriscar contando que chegaria a tempo.

Durante as próximas poucas horas que restavam até a partida do voo com paradas na Argentina e outras três cidades na Nova Zelândia, não havia qualquer certeza sobre o meu embarque no navio. A partir do momento que eu entrasse no avião, só saberia se o navio havia partido antes da minha chegada uma vez que já estivesse na Nova Zelândia! Foi um voo longo, muito longo. Durante a viagem, eu não me permitia alimentar a alegria de ter sido convocado para assim não aumentar a minha possível decepção ao saber que não havia chegado a tempo.

A alfândega na Nova Zelândia foi tão demorada que eu quase perdi o voo que garantia a minha chegada às 5 da tarde. Saí da alfândega às 11 horas, sem saber se o navio já tinha partido. Consegui rapidamente uma conexão à Internet, mas em dúvida se acessava os e-mails para saber notícias sobre a partida ou se corria para pegar a próxima conexão já que só parecia haver tempo para um ou para outro. Fiz ambos, correndo pelo aeroporto. A notícia era boa, ou quase boa: a partida havia sido adiada até às 4 da tarde. Há uma série de providências que são necessárias para a partida de um navio, entre elas a liberação da alfândega e outras providências com o porto, e por isso a partida não pode ser adiada de forma simples.

Segui até a próxima escala, onde recebi a notícia que a partida havia sido adiada para às 7 da tarde. Das 36 horas de viagem aérea até o destino final, foi apenas nesse último trecho da viagem, que durou 1 hora, que eu tive a certeza que chegaria a tempo.








Apresentação

Foto por George Guimarães


A Sea Shepherd Conservation Society – SSCS foi fundada em 1977, nos Estados Unidos, pelos fundadores do Greenpeace, que, ao engajarem-se nesse novo projeto, criaram um movimento de caráter mais ágil, objetivo e ativista. Atualmente, a Sea Shepherd é considerada a ONG de proteção dos mares mais ativista do mundo e conta com a participação efetiva de milhares de voluntários em todo o planeta.

Nestes mais de 30 anos de atuação, a Sea Shepherd e seus voluntários ficaram conhecidos como piratas dos mares, depois de afundar 10 navios baleeiros ilegais e abalroar e impedir a pesca de inúmeros barcos pesqueiros ilegais.

A Sea Shepherd Conservation Society é baseada nos Estados Unidos e possui escritórios na Austrália, Canadá, Inglaterra, Holanda, França e África do Sul

Há pouco mais de seis anos eu tive meu primeiro contato pessoal com a tripulação da Sea Shepherd, inclusive com o Capitão Paul Watson, quando dividimos a mesma mesa como palestrantes em uma conferência de direitos animais nos EUA. Desde então a minha admiração pela organização aumentou na mesma medida em que aumentava a minha compreensão sobre a eficiência dos seus métodos.

Há pouco menos de dois anos eu me alistei para participar da campanha contra a caça de baleias na Antártida, me dispondo a tripular o Steve Irwin, o único navio operando nessa campanha na época. Como não tenho qualquer experiência com navegação marítima, a minha chance de ser convocado não era grande, uma vez que todos a bordo têm um papel a desempenhar e todos eles estão relacionados à manutenção e operação do navio. Fiz um curso e me licenciei como Arrais Amador (licença para pilotar pequenas embarcações), que traz um conteúdo meramente teórico.

Enviei novamente a minha matrícula em 2010 e continuei aguardando que a convocação chegasse, mas sem grandes expectativas, pois desde que a campanha Antártica da Sea Shepherd foi transformada em série televisiva (Whale Wars, do Animal Planet, a série de maior sucesso em toda a história do canal, já com três temporadas – a partir da campanha atual será produzida a quarta temporada da série), o número de voluntários alistados aumentou consideravelmente e muitos deles com qualificação específica para a operação marítima.

Desde 2008, a frota operando na campanha Antártica aumentou em duas embarcações e com isso o número total de tripulantes aumentou de 35 para 90 voluntários vindos de 22 países (o Paul está jantando na mesa enquanto escrevo esse texto e, pedindo a confirmação sobre esse dado, ele me corrige dizendo que são 88 pessoas, “Crazy 88, como o nome da gangue de Lucy Liu em Kill Bill”, diz ele, que sempre acrescenta uma referência histórica, bibliográfica ou cinematográfica para quase tudo o que diz). Com esse aumento na demanda por voluntários, apesar da minha nula experiência com a vida marítima, aumentaram as minhas chances de ser convocado.

Em abril de 2010 voluntariei para auxiliar na preparação do navio para a campanha Blue Rage, que combateria a pesca ilegal de Atum Azul no Mediterrâneo. Para essa primeira edição da campanha, o navio foi preparado em Nova Iorque, onde durante os cinco dias em que trabalhei no navio, pude interagir com a tripulação e me familiarizar com o trabalho. Foi nessa oportunidade que conheci o Gunter, tripulante brasileiro já atuante há muitos anos nas embarcações da Sea Shepherd, servindo como Primeiro Oficial na campanha atual.

Agradeço a todos os que torceram para que eu recebesse a convocação para estar a bordo, ao Gunter e à Roberta pela recomendação, aos meus pais pelo apoio na viabilização da minha chegada à Nova Zelândia e aos meus filhos, que apesar do cancelamento de última hora da nossa viagem de férias, demonstraram total apoio à minha participação como tripulante nessa campanha. Já faz algum tempo que eles vêm sendo apresentados à Sea Shepherd e seus métodos por meio de vídeos e histórias e de certa forma torciam para que eu fosse convocado. Eu estava com eles no momento em que recebi a convocação e, quando consultados sobre a possibilidade de cancelarmos a nossa viagem para que eu pudesse me unir à campanha, eles não hesitaram em me apoiar.

Comunicação a bordo. Esse blog será atualizado na frequência que for possível e com as informações que forem autorizadas. Para se comunicar comigo, escreva para secretaria@veddas.org.br e, havendo importância, a mensagem será encaminhada para um endereço de e-mail compartilhado usado pela tripulação. Essa é a única maneira de comunicar-se comigo e a mensagem pode levar dois dias até que seja encaminhada, aprovada e lida. O tempo da minha permanência a bordo está previsto para cerca de 40 dias, podendo variar por múltiplos fatores. Portanto, todas as mensagens enviadas para outros endereços (e para esse, caso não seja considerada urgente para ser encaminhada) serão lidas em meados de fevereiro.

Veja também as atualizações sobre Operação No Compromise diretamente no site da campanha: www.seashepherd.org/no-compromise



Sobre George Guimarães


Foto por George Guimarães

George Guimarães é nutricionista e ativista pelos direitos animais. Dedica-se à pesquisa, aconselhamento e consultoria em nutrição vegetariana em seu consultório em São Paulo, onde dirige a NUTRIVEG Consultoria em Nutrição Vegetariana, além de dirigir as duas unidades do VEGETHUS Restaurante Vegano, onde promove cursos e eventos com o objetivo de difundir o veganismo. Também ministra cursos e palestras sobre o tema da nutrição vegetariana e veganismo em universidades e para o público em geral. Além da faculdade de nutrição, sua formação em nutrição vegetariana se deu por estudo próprio e pela participação em congressos científicos e conferências voltadas ao tema no exterior. Tem trabalhos publicados em revistas científicas de alcance internacional. Seja no consultório, na colaboração em estudos científicos ou nos restaurantes que dirige, todas as suas atividades profissionais são voltadas à difusão do veganismo e dos direitos animais. Desde 2006 dirige o VEDDAS, grupo que tem ganhado destaque no movimento de defesa animal. Vegetariano desde os 4 anos de idade e vegano há 16 anos, é conselheiro consultivo do Instituto Abolicionista Animal e membro-fundador da Sociedade Vegana (2010).

George Guimarães teve seu primeiro contato com o Capitão Paul Watson na Conferência Nacional de Direitos Animais nos EUA em 2005 e novamente em todos os anos que seguiram. Em abril de 2010 visitou o Steve Irwin, voluntariando por 5 dias enquanto o navio era preparado para a campanha contra a pesca ilegal de Atum Azul que realizou no Mediterrâneo. George recebeu o chamado de última hora para tripular o navio principal da Sea Shepherd Conservation Society, M/Y Steve Irwin no dia 18 de dezembro de 2010. Chegou à Nova Zelândia 4 dias depois para embarcar no navio, que partiu logo em seguido rumo à Antártida para intervir nas atividades da frota baleeira japonesa.