Achados e Perdidos 26/01/2011

O helicóptero iniciou a busca pelo navio-fábrica, o Nishinmaru, logo cedo às 5 horas da manhã do dia 25 de janeiro. A área na qual estávamos posicionados estava tomada por imensas placas de gelo, o que é bom porque permite que o helicóptero voe com mais frequência já que a presença do gelo reduz as ondulações, o que é importante para a estabilidade do navio de modo que o helicóptero possa decolar e pousar. A parte não tão boa é que o Steve Irwin fica mais sujeito a se chocar contra um pedaço de gelo maior do que o seu casco pode suportar. Como já foi mencionado anteriormente, diferentemente do Bob Barker, o Steve Irwin não é um navio projetado para navegar no gelo já que o seu casco não tem a resistência necessária para se chocar contra blocos de solidez semelhante ao concreto e que podem ser maiores que uma casa. Esse é o caso dos blocos de gelo conhecidos como growlers. Já as placas de gelo podem ter centenas de metros de extensão. Nas condições de clima e distância da civilização nas quais estamos, uma abertura no casco pode resultar em uma fatalidade para toda a tripulação.

Foto por George Guimarães

Enquanto o Bob Barker continuava a manter o navio-tanque ocupado a alguns dias de navegação ao norte, o Steve Irwin passou o dia rasgando as imensas placas de gelo e esquivando-se dos growlers que minavam o oceano ao nosso redor. Foi o dia mais tenso de observação de growlers, especialmente porque tínhamos que reduzir em muito a velocidade para decolagem, o que reduz a capacidade de manobra. O helicóptero decolou repetidas vezes durante o dia usando a sua capacidade de se deslocar muitas vezes mais rápido que o Steve Irwin para varrer a região. Outra vantagem é que, diferente do navio, o helicóptero pode ver o alvo sem necessariamente ser visto, pois o contato visual é feito de longe e a sua velocidade dificulta que ele seja detectado no radar.

Depois de ter coberto centenas de milhas náuticas, foi no final da tarde que escutei pelo rádio enquanto descansava na Mess (área de descanso referida no texto do dia 16/01): “O helicóptero conseguiu confirmação visual do Nishinmaru”. As reações  variaram entre a euforia e a perplexidade. Logo seria o meu turno na Ponte e eu poderia acompanhar todos os detalhes, mas não dava para esperar, não é? Muitos correram para a Ponte de Comando para saber mais e possivelmente conseguir ver o navio, preparar-se para a ação... Mas o que descobrimos foi que o navio-fábrica estava a 35 milhas de distância, ainda muito distante para ser alcançado. O importante é que sabíamos onde ele estava. Agora seria uma questão de uso de estratégia para que pudéssemos alcançá-lo.
Foto por Barbara Veiga
Nishinmaru visto do helicóptero

O navio arpoeiro (Yushinmaru) que estava próximo ao navio-fábrica (Nishinmaru) não demorou a localizar o Steve Irwin e assim passou a nos monitorar, o que tornaria mais difícil a nossa aproximação. Em uma área tomada por icebergs e growlers, o radar do Steve Irwin não é capaz de detectar um navio a uma distância grande. O Nishinmaru, por outro lado, sabia exatamente a nossa posição uma vez que o Yushinmaru passou a nos seguir. Por isso dependíamos do helicóptero, que continuava a decolar de tempo em tempo para assegurar o conhecimento da posição do navio que é o coração da frota baleeira japonesa.

Foto por George Guimarães

Em torno das 8 da noite, em um ato desesperado objetivando dificultar  a   nossa   aproximação, que agora já tinha uma distância reduzida, o navio-fábrica passou a rumar em meio a um grande campo de gelo. As fotos aéreas produzidas a bordo do helicóptero mostravam que o Steve Irwin não poderia navegar pelo mesmo campo. Na verdade, nem eles poderiam, já que o Nishinmaru também não é adaptado para a navegação em meio ao gelo denso. Escolhemos dar a volta para cercá-los pelo outro lado do campo de gelo (uma área que se estendia por centenas de milhas). Com a equipe do helicóptero e do Deck extremamente desgastada (devido ao risco de um acidente durante a decolagem e o pouso e a velocidade com que deve ser efetuado o resgate, a equipe do Deck coloca o barco Delta de prontidão cada vez em que o helicóptero decola ou pousa) por estar trabalhando ininterruptamente desde as 5 da manhã, o monitoramento aéreo teve que ser cancelado por volta da meia-noite para ser retomado logo cedo no dia seguinte. Por mais que todos desejassem continuar, qualquer erro na operação pode causar uma fatalidade e as mentes já não mais conseguiam estar tão atentas quanto se fazia necessário.

Foto por Barbara Veiga

No dia seguinte, não pudemos mais localizar o navio-fábrica. O Gojira, que estava na Austrália para reparos no motor, fez uma enorme falta nesse momento da ação, pois ele teria sido capaz de contornar o campo de gelo com grande rapidez para encontrar o navio-fábrica do outro lado. Também fez falta o Bob Barker, que há poucos dias havia deixado de perseguir o navio-tanque mais ao norte para poder se juntar ao Steve Irwin em nossa busca ao sul, mas ele estava a alguns dias de distância. Foi efetuado o lançamento de um balão meteorológico com câmera e radar para auxiliar na busca, mas as informações colhidas não mostraram a presença do navio-fábrica na região. Com o navio arpoeiro em nossa traseira, sem conhecer as coordenadas antes detectadas pelo helicóptero, e navegando em meio ao grande campo de gelo, nossas chances de encontrá-lo estavam muito reduzidas.


Foto por George Guimarães
Barco Delta lançado à água
Nesse momento, deu-se início a uma operação de caça para afastar o navio arpoeiro. O barco Delta foi lançado à água com a munição necessária (ácido butírico, bombas de fumaça, cordas para apreender a hélice do navio arpoeiro), o helicóptero ao ar e o canhão d’água foi posicionado. Como não era o horário do meu turno na Ponte, uni-me à equipe do Deck para estar mais próximo da ação. Ao perceber nossa manobra de aproximação, o navio arpoeiro passou se dirigiu para o meio do gelo, o que impossibilitou a aproximação do barco Delta devido à sua limitação de navegação no gelo (trata-se de um barco feito de material flexível). O Steve Irwin seguiu em meio ao gelo, que era manchado com a tinta vermelha arrancada do casco do navio. O barulho do impacto é impressionante, assim como é impressionante ver uma massa flutuante pesando dezenas de toneladas rachando sobre os seus pés. A esperança era que, ao fugir em meio ao gelo, o navio arpoeiro se encurralaria em um trecho onde não conseguiria passar. A Sea Shepherd tem a vantagem do helicóptero que possibilita a visão aérea, já a frota baleeira não conta com essa vantagem. Por isso, a chance do navio arpoeiro se encurralar era maior do que a chance de o Steve Irwin ser encurralado. No entanto, eles seguiram gelo adentro. Como a capacidade de velocidade do navio arpoeiro é maior que a do Steve Irwin, abandonamos a perseguição depois de cerca de uma hora e voltamos a buscar pelo navio-fábrica, que é o melhor que podemos fazer nesse momento.

Foto por Barbara Veiga
Yushinmaru cortando o gelo

Juntamente com a notícia boa que o helicóptero trouxe ontem, a da descoberta do navio-fábrica, veio também a notícia ruim de que ele havia detectado a presença da carcaça de uma baleia no convés do navio assassino. A essa altura, já esperávamos que um dos três navios arpoeiros estivesse caçando (os outros dois estavam ocupados perseguindo a nossa frota), apesar de esse único arpoeiro estar caçando pouco, pois sabia da nossa presença na região e estava procurando manter a distância. Como sempre, se estão fugindo, não estão caçando. Portanto, já sabíamos da possibilidade de esse único navio estar atuando. Ainda assim, para nós que estamos aqui dedicando o nosso tempo e colocando nossas vidas em risco é ao mesmo tempo frustrante e revoltante saber que uma baleia foi morta enquanto estamos tão próximos. Estão matando algumas baleias ao invés de estarem matando centenas de baleias, o que é bom, mas para essas algumas que foram mortas, essa redução estatística não faz a menor diferença.

Os outros navios da frota da Sea Shepherd não deverão demorar a chegar à região onde estamos buscando e, quando isso acontecer, deveremos rumar de volta ao porto para reabastecimento, pois nossas reservas de combustível e suprimentos se aproximam do limite. Em toda a história da Sea Shepherd, esse foi o período mais longo de navegação do Steve Irwin – hoje contamos o 36º dia desde que deixamos o porto no dia 22 de dezembro e ainda temos alguns dias pela frente. Não temos mais frutas ou vegetais frescos (já estou começando a considerar pêssego em calda como uma “fruta fresca”, pois é o mais próximo a isso que temos em estoque), o banho está restrito a um banho de 3 minutos a cada 3 dias e a rotina começa a afetar o ânimo de todos. Sobre isso, eu escreverei no próximo texto. Nas últimas 24 horas tivemos momentos de alegria quando encontramos o Nishinmaru e de tristeza quando o perdemos. O que nos anima é saber que apesar de não estarmos conseguindo uma eficiência de 100% na redução da caça, ela foi reduzida em pelo menos 70% (eu também explicarei esses números no próximo texto).

Foto por George Guimarães
Yushinmaru em fuga para o meio do campo de gelo

Foto por George Guimarães
Barco Delta tenta aproximação

Foto por George Guimarães
Campo minado

Foto por George Guimarães
Campo minado 2

Foto por George Guimarães
Perseguição em meio ao campo de gelo

Foto por George Guimarães
Cortando pelo campo minado

Foto por George Guimarães
Cortando pelo campo minado

Foto por George Guimarães
Blocos de gelo partidos pelo navio


 Vídeo do Nishinmaru no momento em que foi encontrado (vídeo obtido no site da Sea Shepherd http://www.seashepherd.org/):



Um comentário:

  1. Quanto mais o mundo puder ver imagens, acho que melhor será. Imagens, muitas imagens, o mundo precisa ver as coisas feias que o ser humano faz às escondidas.
    Muita força a vc e a todos que estão aí !!

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