No Primeiro Dia do Ano, o Início da Caça aos Caçadores 01/01/2011

 

Foto por George Guimarães
Bob Barker

Depois de ter terminado o meu turno da noite na chegada do novo ano, retornei ao trabalho na Ponte de Comando às 8 da manhã para descobrir que o Bob Barker e o Gojira (uma embarcação super veloz que há alguns anos bateu o recorde de volta o mundo) já estavam em nossa companhia. Na verdade, o Gojira já havia estado conosco em momentos anteriores, mas que não podiam ser mencionados até agora. Mas essa foi a primeira vez que eu avistei o Bob Barker ao vivo. O Bob Barker é um navio com grande capacidade de armazenamento de combustível, o que não é o caso do Gojira, e por isso um foi reabastecido pelo outro no início da manhã.
Foto por George Guimarães
Gojira

Foto por George Guimarães

A Ponte de Comando estava agitada. Foi emocionante ver toda a frota reunida. O helicóptero já havia decolado do Steve Irwin para documentar a ação e o Delta estava prestes a ser lançado na água. Mais emocionante foi observar que há menos de duas milhas náuticas estavam dois dos navios arpoeiros. Um deles havia passado a noite (ao menos ao que consta no relógio, já que aqui não escurece de fato) conosco e o outro havia sido trazido pelo Bob Barker, que o teve em sua cola desde o dia anterior. Logo o Hunter (um dos barcos pequenos do Bob Barker) já estava na água e após ter terminado o voo de busca pelo navio-fábrica, o helicóptero havia retornado e transitava entre o Steve Irwin e o Bob Barker, que também conta com um Helideck. O trânsito de pessoas, suprimentos e informações era intenso. Em torno das 10h30 a tripulação de cada uma delas se preparava para alertar a frota baleeira que eles deveriam se retirar do Santuário de baleias.


Foto por George Guimarães
Barco Delta sendo lançado


Foto por George Guimarães
Três Capitães

Foto por George Guimarães

Com três navios e dois barcos pequenos na água, um helicóptero no ar e dois navios arpoeiros ao alcance da nossa vista depois de semanas navegando pelas águas do extremo sul do planeta, a iminência do embate não era segredo para ambas as partes. Todos os preparativos estavam coordenados para que a ação tivesse início às 11 horas. A ponte de Comando contava com a presença dos Oficiais dos outros turnos para oferecer suporte e o Primeiro Oficial Gunter me designou como responsável pela operação dos instrumentos de comunicação durante a ofensiva.


Foto por Gary Stokes


Foto por George Guimarães

Como o Steve Irwin é o navio-chefe da frota, toda a comunicação passa por ali e, nesse momento específico, estava sendo operada por mim. Todas as instruções sobre como abordar a frota baleeira e alterações na estratégia de ação são emitidas pelo Capitão Paul Watson e eu estava encarregado de compreendê-las (filtrando o chiado no rádio do helicóptero e a voz exaltada do co-piloto do barco Delta enquanto ele era atacado pelos canhões d’água) e transmiti-las com agilidade. Eram quatro equipamentos de comunicação, todos em operação e com trânsito de informações ao mesmo tempo. Também passavam por mim todas as atualizações sobre o status e o desempenho das outras embarcações, que por sua vez seriam imediatamente passadas ao Capitão, que dividia a operação do leme do navio com o Primeiro Oficial.

O mar estava calmo e o sol brilhava sobre a água, que estava repleta de growlers (fragmentos de icebergs que podem danificar o casco do navio). Os três navios começaram a se deslocar de maneira ordenada, seguidos pelos botes e escoltados pelo helicóptero. Um dos navios baleeiros começou a se mover, afastando-se, enquanto o outro permanecia estático, o Yushinmaru número 2, navio arpoeiro que no ano passado partiu ao meio o Ady Gil (barco veloz usado na campanha 2009-2010), resultando na perda da embarcação e colocando em grande risco os seus seis tripulantes, que só sobreviveram porque foram resgatados em tempo pelo Bob Barker, que estava por perto. No momento certo, foi dada a ordem para que as cinco embarcações se separassem e abordassem o primeiro alvo.

Foto por Barbara Veiga

Foto por George Guimarães


Por ser um barco desenhado para velocidade, construído com material leve de alta resistência, o Gojira não pode navegar velozmente em áreas densamente cobertas por growlers e oferecia suporte na retaguarda. Os botes pequenos Hunter e Delta tomaram a frente e o Steve Irwin passou o Bob Barker. A frota baleeira ativou os seus canhões d’água e correu em disparada. Seus navios são estreitos e altamente manobráveis (característica necessária para desempenhar a sua atividade assassina de perseguir e alvejar esses maravilhosos animais). A primeira instrução passada para o Delta foi a de ultrapassar o navio baleeiro e lançar na água a corda com duas bóias, destinada a enroscar no hélice do navio, assim desabilitando-o. Essa operação é extremamente perigosa, pois o Delta deve passar bem próximo à parte dianteira do navio, que se desloca a uma velocidade de 20 a 30 nós (o dobro da velocidade do Steve Irwin e não menos do que a velocidade do Delta), sob o ataque dos canhões d’água e dos LRADs (dispositivos acústicos de alta frequência que causam desorientação) e sobre um oceano repleto de growlers, que se atingidos são ainda mais perigosos para os barcos pequenos do que são para os navios. Momentos depois da primeira investida, recebo pelo rádio a comunicação do Delta informando que o lançamento havia sido bem-sucedido! Apenas uma bóia foi vista após o lançamento (e após o navio ter passado sobre a corda), o que significa que o outra bóia, acompanhada de um trecho da corda, estaria enrolada na hélice do navio. Mesmo sendo bem-sucedida, a operação não para completamente o navio, mas apenas reduzir a sua velocidade.

Foto por Stephen Roest
Foto por Gary Stokes
Foto por Barbara Veiga

Foto por Barbara Veiga

Em seguida, transmiti ao Delta a ordem dada pelo Capitão para lançar as garrafas contendo ácido butírico (uma substância com odor nauseante que faz com que a tripulação se afaste da área atingida). Enquanto o Delta buscava uma passagem entre os canhões d’água, o helicóptero filmava toda a ação, mostrando que havia uma área coberta por redes (para evitar que as garrafas atinjam o deck do navio) e canhões d’água posicionados. Nesse mesmo momento, procurávamos saber junto ao Bob Barker qual era a posição do barco Hunter, que deveria estar participando da ofensiva. Tendo que esperar o espaço apropriado no trânsito de informações pelas linhas de comunicação, a informação demorou a ser recebida, mas logo foi esclarecido que o Hunter trabalhava para recuperar a segunda bóia e o trecho de corda que não haviam sido levados pela hélice do navio que estava sob ataque.

Foto por Adam Lau

Enquanto o Capitão Paul Watson dividia o controle do leme com o Primeiro Oficial Gunter, eu podia notar as expressões nos rostos dos tripulantes veteranos e a movimentação da equipe no Deck que acompanhavam o tecer entre os growlers. As expressões eram por vezes de apreensão, quando muitas vezes parecia que não desviaríamos a tempo do enorme bloco de gelo do tamanho de uma casa, e de preocupação quando de fato não conseguíamos desviar. A vibração e o som do impacto da estrutura de ferro pesando 1.100 (uma mil e cem) toneladas colidindo com um bloco maciço de gelo que é tão duro quanto o concreto é impressionante. Ao desviarmos de um, somos lançados na direção de outro. A força do impacto e da fricção é tão grande que alguns growlers atropelados se afastam tingidos de vermelho (cor da pintura do casco do navio abaixo da linha d’água). Solicitações de verificação de danos nos compartimentos inferiores eram expedidas a todo o momento.

Foto por George Guimarães

Tudo muito rápido, tudo muito intenso. Manobras perigosas, alto tráfego de informações, constante estado de alerta para podermos reagir a muitas possibilidades. Ou seja, é melhor do que eu imaginava (risos)!

O embate durou cerca de duas horas. Momentos depois o telefone não parava de tocar com membros da mídia internacional buscando informações sobre o embate. Nossa versão foi apresentada e, como de costume, teve grande repercussão em todo o mundo. Os baleeiros rapidamente publicaram fotos e vídeos informando à imprensa que haviam sido atacados por ecoterroristas e demandando que os governos da Austrália, Nova Zelândia (portos de onde partimos) e Holanda (responsável pelo registro do Steve Irwin, que navega com a bandeira desse país) interfiram para que deixemos o Santuário de Baleias da Antártida para que eles possam matar todas as baleias que puderem.

Ao exemplo do que vem acontecendo nos últimos sete anos, eles buscam desvirtuar a verdade sobre a sua atividade ilegal e pedem intervenção internacional nos acusando de estarmos interferindo em suas atividades de “pesquisa científica”, para a qual eles matam mil baleias todos os anos, jamais publicaram um único artigo científico e muito oportunamente, já que matam as baleias para “fins científicos”, acabam vendendo a sua carne para consumo humano. Da mesma maneira, nós os acusamos de estarem matando espécies ameaçadas de extinção em um Santuário, que significa justamente um lugar designado para que esses animais sejam deixados em paz. É claro que não seria aceitável matá-los mesmo que fosse fora de um Santuário, mas se a discussão deve ser levada para o nível da legitimidade de sua atividade predatória, nós sem dúvida estamos com a razão. Quanto às acusações de ecoterrorismo, há sete anos a Sea Shepherd usa a mesma estratégia e jamais foi formalmente acusada de violar qualquer legislação ou tratado internacional. Já a atividade deles, essa sim viola tratados internacionais e, já que nenhum governo intervém para que elas sejam cessadas, fazemos uso de uma resolução das Nações Unidas que permite a indivíduos e organizações agirem para fazer valer em águas internacionais os tratados que regulam essas atividades.
   
Foto por George Guimarães
Encerramos o confronto de hoje com a certeza de termos deixado claro que não viemos até aqui com outra intenção senão a de colocarmos um fim definitivo às suas atividades predatórias. Com a constante redução no número de baleias caçadas, redução essa fruto do trabalho da Sea Shepherd que os mantém correndo quando poderiam estar caçando, a frota baleeira japonesa já acumulou uma grande dívida financeira e luta para poder voltar para casa com uma boa captura para poder sanar suas dívidas. No que depender de nós, eles voltarão rebocados e com as mãos abanando (para dispersar o cheiro de ácido butírico que estará impregnando suas roupas e cada parafuso dos seus navios).


Hoje, num ponto equidistante entre a Austrália e a América do Sul, depois de 10 dias de navegação rumo ao Leste há 63 graus de latitude em pleno Oceano Antártico, vivemos um dia glorioso de ação efetiva pela preservação do direito à vida e à liberdade de todas as espécies.

Durante o meu turno da noite, nevou bastante e o Deck ficou completamente coberto de branco! Amanhã o dia deverá começar com uma guerra de neve para “esquentar”. Rumamos agora de volta ao Oeste (seguidos de maneira constante pelos navios arpoeiros que mantêm uma distância precisa em nosso radar), que é onde deveremos encontrar o navio-fábrica, alvo maior dessa missão.


Foto por George Guimarães



Asssita o vídeo sobre o primeiro embate entre a frota da Sea Shepherd e Baleeiros Japoneses nesta campanha


8 comentários:

  1. Toda a sorte do mundo para vocês, que consigam proceder com a intervenção até o fim e o número de mortes continue zerado.

    Torcendo daqui!

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  2. Emocionante, que a força esteja com vocês!
    Beijão
    Márcia Chaplin

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  3. sucesso, george!

    diga à tripulação que muitos brasileiros gostariam de estar a bordo!
    brazilian mafia!

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  4. graças a deus que existe alguem,ou há,que se preocupa e da importancia,apreço,consideracao,afecto ao bem-estar das baleias

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  5. Os textos estão incríveis e a missão nem preciso falar nada! FODA!

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  6. Não encontro palavras p/ traduzir a admiração que sinto por vcs e gratidão pelas vidas que estão salvando.
    Lamento que nunca poderei ver de perto essa natureza mas me consola o fato de que vcs estão aí p/ preservá-la.
    Os textos são lindos...
    Cristina

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  7. Nuno Franco | Portugal8 de janeiro de 2011 às 07:12

    Vocês são verdadeiros heróis e a prova que a ação directa é eficaz.

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  8. Emocionada! Parabéns George por mais esta ação em luta pelos direitos dos animais. Vcs são grandes heróis!

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