Entrevista com George Guimarães

Entrevista concedida no final de janeiro de 2011 enquanto estava a bordo do Steve Irwin:

1- Quando surgiu a ideia de integrar a tripulação de um navio da Sea Shepherd? Você é membro do grupo desde quando? E quanto tempo deve ficar no navio?

O meu primeiro contato com a Sea Shepherd foi em 2005 quando conheci o Capitão Paul Watson em uma conferência de direitos animais nos EUA, onde palestramos juntos. Desde então, pude conhecer mais sobre o grupo e a eficiência do seu modo de ação e em 2009 me inscrevi como voluntário para participar da campanha contra a caça de baleias na Antártida, o que se concretizou em dezembro de 2010. Nesse ano, a frota da Sea Shepherd é composta por três embarcações e patrulhará a região até o mês de março. Algumas das embarcações precisam retornar ao porto (que pode estar a uma distância de alguns dias até mais de uma semana) para reabastecimento. Eu ficarei no navio até o momento do reabastecimento, que depende do desempenho do navio durante a campanha e por isso não pode ser previsto com muita antecedência. Poderei ficar a bordo entre 6 e 12 semanas.

2- Para que lugares você deve ir com o navio? Qual é o seu objetivo principal?

Estou a bordo do Steve Irwin, o principal navio da frota, que se divide com o Bob Barker e o Gojira (embarcação veloz com design futurista que bateu o recorde de volta ao mundo) na tarefa de patrulhar uma área imensa do Oceano Antártico que se estende por milhares de quilômetros de latitude e longitude, desde o sul da Nova Zelândia e em direção ao Chile até o Mar de Ross, que faz contato com o continente gelado no extremo sul do planeta.

O desafio da frota da Sea Shepherd é encontrar a frota baleeira japonesa para impedir a caça. Nesse ano, pela primeira vez, esse objetivo foi alcançado em 31 de dezembro, quando três navios arpoeiros (Yushinmaru 1, 2 e 3) foram interceptados antes que eles tivessem iniciado a caça e os temos mantido ocupados desde então, o que significa que não estão caçando. O alvo maior é encontrar o navio-fábrica (Nishinmaru), onde as baleias mortas pelos navios arpoeiros são processadas. Quando o navio-fábrica é encontrado, a sua rampa de carregamento é obstruída pela nossa presença e os navios arpoeiros param de caçar pois não podem fazer a transferência da baleia morta por eles. De qualquer modo, enquanto continuamos sendo seguidos por dois dos seus navios arpoeiros, que se mantêm em nossa traseira para informar ao navio-fábrica a nossa posição para que esse possa se dirigir na direção oposta, nenhum desses está caçando.

Para completar a intervenção bem-sucedida, o navio-tanque, responsável por fornecer combustível à frota japonesa, foi interceptado no dia 11 de janeiro e prontamente escoltado para fora do Santuário de Baleias, onde jamais deveriam ter entrado já que é proibida a transferência de combustíveis abaixo dos 60 graus sul de latitude. Ele está sendo mantido à vista, o que impede qualquer tentativa de reabastecimento e por sua vez condena toda a frota baleeira a ter que retornar para casa dentro muito em breve.

Em resumo, enquanto a Sea Shepherd está presente, seja perseguindo-os ou sendo perseguida por eles, eles não têm a possibilidade de caçar.

3- A Sea Shepherd costuma ir de encontro a navios baleeiros e atacá-los. Prefere que os japoneses briguem com eles e, enquanto isso, não matem baleias. Mas não é uma atividade perigosa? No ano passado, um navio do Sea Shepherd se chocou contra um baleeiro - não houve feridos, mas o casco do barco rasgou. Não teme o que pode ocorrer?

Na verdade, a Sea Shepherd não os ataca, mas intervém para fazer valer um tratado internacional que proíbe a caça de baleias. Uma vez que a frota japonesa reage de forma violenta, a frota da Sea Shepherd responde usando bombas de fumaça e lançando garrafas contendo ácido butírico, que nada mais é do que uma substância de odor nauseante que impede que a tripulação dos navios baleeiros trabalhe nos conveses dos navios. Ambas são inofensivas à vida da tripulação.

De fato, em um oceano de clima extremo, considerado como a área de navegação mais perigosa do planeta onde a temperatura da água é abaixo de zero grau Celsius e o porto mais próximo pode estar a muitos dias de navegação, há um grande risco inerente à atividade desempenhada por toda a tripulação. Estamos cientes desse risco e o assumimos de maneira voluntária sem esperar receber qualquer coisa em troca a não ser o resultado pelos animais e pelo planeta. Esse risco tem a sua importância reduzida quando é colocado sob a perspectiva do poder que nossas ações individuais podem ter sobre as vidas de milhares desses magníficos mamíferos que são cruelmente massacrados para satisfazer a um paladar pervertido que causa um efeito direto sobre as vidas desses animais. Além dessa consequência óbvia, há ainda o impacto sobre os seus companheiros, que testemunham de perto a morte dos que são atingidos por arpões munidos com explosivos, afogando-se em seu próprio sangue durante uma agonia que pode levar mais de 30 minutos para ser encerrada. Além disso, há ainda o efeito devastador sobre o ecossistema delicado dos oceanos, do qual depende também a nossa própria sobrevivência.

Muitas pessoas colocam suas vidas em risco por motivos menos nobres, seja para lutar pela pátria, para conquistar um país e tomar suas reservas de petróleo ou ainda por outros motivos que, por mais que estejam travestidos de sentimentos coletivos aparentemente nobres, não deixam de ser motivos egoístas na medida em que violam o interesse e o direito de outros. Diante dessa realidade histórica da nossa sociedade, onde indivíduos sempre se dispuseram ao sacrifício em nome da dominação e de sentimentos nada altruístas, confesso que tenho dificuldade em compreender por que algumas pessoas se espantam ao saberem que alguém é capaz de colocar sua vida em risco motivado por uma causa verdadeiramente nobre e que amplia a noção de coletividade para além da esfera dos animais humanos.

4- Algumas ONGs, como o Greenpeace, criticam essa estratégia de choque do Sea Shepherd. Eles defendem que os embates têm de ser pacíficos e que a vida dos integrantes do grupo nunca pode ser ameaçada. Como avalia isso? Qual é sua opinião?

O fato é que a Sea Shepherd conseguiu cortar pela metade a cota de 1.000 baleias que o Japão intentava matar no ano passado e, nesse exato momento, está aqui trabalhando para que eles voltem para casa de mãos vazias. A mesma ONG que critica essas estratégias que já se provaram eficientes promove nesse ano uma campanha para enviar origamis de baleia ao presidente dos EUA (que já é um país que não apoia a caça de baleias) e outras ações que têm pouco efeito sobre a vida das baleias que estão aqui onde nos dispusemos a vir. Tais campanhas têm um ar muito simpático (para não dizer fofo) e funcionam para trazer recursos para a ONG, mas diferentemente dos animais de papel que serão produzidos a cada doação recebida e assim serão multiplicados, têm pouca importância sobre a vida ou a morte das baleias de carne e osso que estão aqui e que estariam sendo mortas caso essa tripulação não tivesse escolhido estar aqui trabalhando e apoiando os métodos que vêm sendo usados pela Sea Shepherd nos últimos.

De qualquer forma, as ações realizadas pela Sea Shepherd não são violentas. Há uma diferença importante entre o uso da violência e o uso da força. A primeira tem como alvos seres sencientes (capazes de sentir dor e medo) que podem ser cetáceos, humanos ou qualquer outro animal. Esse é o tipo de ação levada a cabo pela frota japonesa quando lançam diretamente contra nós seus canhões de água pressurizada super gelada ou projéteis de metal. Há dois anos o Capitão Paul Watson foi baleado durante um confronto com a frota japonesa nesse mesmo navio e nessa mesma região. Já a segunda situação, o uso da força, tem como alvos objetos inanimados (navios, por exemplo) com a condição de não colocar em risco a vida da tripulação que ocupa o alvo. Todas as ferramentas usadas pela Sea Shepherd têm essa característica.

5- Como é nutricionista especializado em dietas vegetarianas e é vegano, gostaria de saber qual é a alimentação que tem no navio. É possível manter esse tipo de alimentação na embarcação?

Estamos aqui para defender vidas e o meio ambiente e nada mais coerente do que não consumirmos produtos de origem animal já que esses causam um impacto negativo sobre ambos. Por isso, toda a alimentação servida nos navios da Sea Shepherd é vegana, o que significa que não contêm carnes, laticínios, ovos ou qualquer outro produto que seja derivado da exploração de animais. Alguns tripulantes estão a bordo há meses e, assim como os veganos que estão em terra, são o testemunho vivo de que uma alimentação vegetariana atende à demanda física que a vida a bordo exige em uma campanha como essa.

6- O que mais considera importante ressaltar?

Os leitores podem encontrar informações sobre a campanha atualizadas semanalmente e relatadas a partir do meu ponto de vista no endereço http://guerragelida.blogspot.com